Em Mayotte, a França e as Comores se chocam diplomaticamente. Enquanto Paris quer expulsar os comorianos, o arquipélago continua a reivindicar a sua soberania sobre a ilha.
Nos últimos dias, as operações de Wuanbushu, lançadas pela França em Maiote, trouxeram à tona uma anomalia: a do estatuto de Maiote. De um lado, há os fatos. O arquipélago, localizado no Canal de Moçambique e no Oceano Índico, é um DROM (departamento e região ultramarina) francês. Para a Europa, é uma região ultraperiférica. Por outro lado, há um aspecto político: as Comores reivindicam de fato sua soberania sobre Mayotte. E o arquipélago africano tem argumentos a apresentar.
Comores-França, uma história de desamor
De fato, 1976 foi um ano especial. Dois anos antes, os comorianos haviam votado em referendo a favor da independência. E como os Mahorais haviam, em geral, votado contra, a França decidiu organizar um referendo exclusivamente em Mayotte. Mas, nesse ano, a maneira francesa de fazer as coisas foi denunciada por instituições internacionais, em particular as Nações Unidas, que tinham, numa resolução, pedido “vigorosamente” à França para “retirar-se imediatamente” de Maiote.
Porque um dos princípios do direito internacional é que, em caso de descolonização, a potência colonizadora não deve tocar as fronteiras do país descolonizado. O princípio da intangibilidade das fronteiras, denominado utipossidetis, que havia sido mantido pela Organização da Unidade Africana quando foi criada em 1963, na época da descolonização, não foi respeitado no caso das Comores. Mas para Paris, outro ponto do direito internacional era prioritário: o direito dos povos à autodeterminação. A França também continuou a garantir que a ilha havia sido comprada em 1841. O resto do arquipélago era então um protetorado e não uma colônia.
Assim, inevitavelmente, o lançamento de Wuanbushu pela França não passa do lado das Comores. O princípio da operação é simples: desalojar migrantes irregulares das favelas insalubres de Mayotte. Em Maiote, segundo as estatísticas, um em cada dois habitantes não é de nacionalidade francesa.
Mas o que as Comores podem fazer? Atualmente, o presidente do arquipélago, Azali Assoumani, é presidente da União Africana. Este sabe que poderá contar com a sua organização que, em 2009, voltou a denunciar a ilegalidade da presença francesa em Maiote. A controvérsia em torno das operações de Wuanbushu revive o debate.
Mayotte, estratégica para a França
Mas porque é que a França está tão ligada à sua ilha, geograficamente africana, mas mergulhada numa grande crise económica e social? “A infelicidade das Comores é estarem localizadas em um local altamente estratégico. Não só circulam nas águas do Canal de Moçambique dois terços dos petroleiros do Médio Oriente, como o posicionamento do arquipélago permite ao seu país guardião ter o domínio de todo o Oceano Índico ocidental”, resume o especialista da região, Pierre Caminade, que recorda que a França quis manter parte do arquipélago na altura da descolonização, “com o projeto de aí instalar uma base militar naval com porto de águas profundas. Este projeto não verá a luz do dia, mas será compensado pelo estabelecimento de uma estação de escuta da rede francesa de espionagem de comunicações por satélite, encomendada em 2000”.
Desde a saída da França, as Comores não deixaram de ser palco das negociações francesas. O recorda a intervenção do mercenário francês Bob Dénard, em setembro de 1975, veio consolidar o golpe de Ali Soilih e prender o presidente Ahmed Abdallah, que acusou Paris de violar as regras do direito internacional, ao separar Mayotte das Comores.
despejos ilegais
Quatro décadas depois, ainda é a imprecisão legal em torno de Mayotte. A ONU não condena mais veementemente a atitude francesa. Se a soberania francesa sobre Maiote se torna cada vez mais indevida, as Comores condenam constantemente a departamentalização de Maiote em 2011 pela França, mas também o estatuto de região ultraperiférica atribuído pela UE à ilha.
Se as Comores assinaram acordos econômicos, jurídicos e alfandegários com a França, que dizem respeito a Mayotte, isso significa em meias palavras que Moroni aceitou a situação. Mas, por tudo isso, a comunidade internacional continua distante do arquivo, preferindo entrar em contato. Mas o lançamento das operações francesas em Mayotte, que desagradam às Comores, pode pôr fim ao diálogo entre Paris e Moroni.
Já em 2004, Pierre Caminade estimava que o Estado francês, com a sua escolta até à fronteira, estava a cometer "'transferências forçadas de população' na acepção dos estatutos do Tribunal Penal Internacional (TPI), que se enquadram no Crime contra a humanidade" . Mas o ministro francês do Interior está surdo aos apelos lançados por ONGs e pela sociedade civil, que exigem o fim das expulsões, que consideram ilegais.